segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

De resíduo a matéria prima


 

 

 

Como fisgar dois peixes ao mesmo tempo em um só.

 

Transformar a pele de peixe em couro para artesanato é o que se pode definir como “fisgar dois peixes ao mesmo tempo em um só anzol”. De pouco valor nutritivo e responsável por até 8% da massa corporal, a pele se torna um grande entrave aos produtores e abatedouros na hora do descarte. Utilizada junto com a carcaça na moagem para se obter a ração, a pele dificulta o processo de trituração pela rigidez de suas fibras. Mas curtida e usada como matéria-prima, em artesanato de couro, transforma-se numa fonte extra de renda para pequenos e médios produtores e propicia um aproveitamento de 100% do peixe, reduzindo desperdícios.
As técnicas de curtimento são aprendidas em cursos rápidos: um fim de semana é suficiente. Os processos são diferentes para as peles de peixes com escama e peixes de couro. Os produtos químicos na conservação dos peixes de couro são mais abrasivos e se utilizados nas espécies com escama deformam as peças, porque eliminam os desenhos naturais.
Nos pesqueiros do tipo pesque-e-pague, o curso de curtimento das peles de peixes com escama é o mais procurado. Principalmente por se aplicar a uma espécie não brasileira bem adaptada ao esquema dos pesqueiros: a tilápia do rio Nilo (Oreochromis niloticus niloticus). Introduzida no início do século passado no Brasil, a tilápia passou por melhoramentos genéticos no Japão e na Tailândia.
A variedade tailandesa é considerada a melhor em rendimento de carne e pele, por isso mesmo a mais reproduzida em cativeiro. Em São Paulo, a tilápia também caiu no gosto dos pescadores e colaborou no crescimento do setor, nos últimos 10 anos. Até o final de 2003, estima-se que 2 mil pesque-e-pague estavam em funcionamento no estado, uma média de 3 por cidade.



E só com os produtores paulistas, o volume de produção de peixes por mês chegou a 4 milhões de quilos. Aproximadamente 70% desse total fica nos pesqueiros e corresponde à pele e carcaça. Os chamados pescadores urbanos só querem levar para casa o filé do peixe, equivalente a 30% da massa corporal. Por isso, o aproveitamento do couro de peixe no artesanato é uma alternativa cada vez mais procurada.
Tradicional na cidade de Socorro, região turística do circuito da águas, no interior paulista, o pesqueiro Nenê Oliani foi um dos que investiram no couro de peixe para a confecção de artesanato. “O que faz, vende”, afirma Vera Oliani, filha de Nenê, o fundador do pesqueiro na década 80. Ela começou a curtir as peles em 2000 e, em 4 anos, já produziu e comercializou 5.000 peças, entre bolsas, carteiras, chaveiros, almofadas, cintos, chinelos, sandálias, saias e jaquetas. A princípio as peças só eram vendidas no pesqueiro, mas agora já chegaram ao comércio da cidade, para atender ao interesse crescente dos consumidores, sobretudo das mulheres, que não são as maiores freqüentadoras do pesque-e-pague.
Pronto em uma semana
A pele da tilápia é a mais utilizada na transformação em couro para confecção de artesanato, no pesqueiro Oliani. Por ser a espécie preferida dos pescadores, ela corresponde a 60% dos peixes criados nos tanques. Em menor quantidade são utilizadas também as peles de pacu e matrinxã, ambos peixes com escama. O processo de curtimento - da esfola ao acabamento, demora uma semana e normalmente o lote tem 500 peles, uma boa quantidade para o bom aproveitamento dos produtos químicos. Para uma bolsa de tamanho médio - uma das peças mais vendidas - são utilizados couros de 15 tilápias. As cores são obtidas com anilina. O processo de aproveitamento da pele de peixe começa na ponta da linha dos pescadores. Logo ao tirar o filé, a separação da pele deve ser feita com um alicate, depois de cortadas as partes superior e inferior do peixe. Essa pele é congelada para armazenamento, se não tiver uso imediato. Ao formar um lote de 500 boas peles, é feito o processo químico de curtimento e transformação em couro, seguido de tingimento. Seco e da cor desejada, o couro é esticado e desamassado com ferro de passar roupa. E as confecções são então moldadas em intertelas, fixadas por cola de couro e reforçadas por costuras do tipo zig-zag.
Criação cooperativa
A confecção de artesanato de couro de peixe é mais um ciclo de desenvolvimento no pesqueiro Nenê Oliani. Seu fundador começou com a criação de carpas coloridas na década de 60 em um sítio do Bairro do Brejo, em Socorro. Na década de 80, os produtores de peixes da região se uniram em cooperativa. Os parceiros são meeiros nos lucros, recebem o peixe e a ração, e entram com o tanque e o trabalho. Hoje o pesqueiro Oliani tem 20 parceiros e uma produção de 220 toneladas de peixes (em 2003), das quais 120 são próprias. O domínio da técnica de reprodução só existe para as carpas coloridas e húngaras, vendidas como peixes ornamentais. São 3 tanques de matrizes, informa o gerente Amauri Cardoso de Morais. Outros 8 tanques são para alevinos; um, para engorda, e três de pesca, numa área total de 41 mil m2. Outra propriedade do pesqueiro, com 28 mil m2 de espelho d'água, é usada para a engorda de 160 mil peixes por ano. O gasto diário com ração é de 300 kg. A tilápia, por exemplo, quando criada em cativeiro e com ração adequada, leva até 7 meses para atingir 600g. Um peso ideal para atrair os clientes dos pesque-e-pague e próximo do peixe de 800g que fornece uma pele considerada boa para confecção.

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